quinta-feira, 4 de outubro de 2007

PROCURA-SE UM AMIGO


PROCURA-SE UM AMIGO
Não precisa ser homem,
basta ser humano,
basta ter sentimento,
basta ter coração.
Precisa saber falar e saber calar;
sobretudo, saber ouvir.
Tem que gostar de poesia,
da madrugada, de pássaros, do sol, da lua,
do canto dos ventos e do murmúrio das brisas.
Deve ter amor, um grande amor por alguém,
ou então sentir falta de não ter esse amor.
Deve amar ao próximo e respeitar a
dor que todos os passantes levam.
Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão,
nem mesmo é imprescindível que seja de segunda mão;
pode já ter sido enganado (todos os amigos são enganados).
Não é preciso que seja puro,
nem que seja de todo impuro, mas,
não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perde-lo;
no caso de assim não ser, deve sentir o
grande vácuo que isso deixa.
Tem que ter ressonâncias humanas;
seu principal objetivo deve ser de ser amigo;
deve sentir pena das pessoas tristes e
compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve ser d. Quixote sem, contudo,
desprezar Sancho Pança.
Deve gostar de crianças,
lastimar as que não puderam nascer e
as que não puderam viver.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos;
que se comova quando chamado de amigo;
que saiba conversar de coisas simples,
de orvalho, de grandes chuvas e
de recordações da infância.
Precisa-se de um amigo para não enlouquecer,
para se contar o que se viu de belo ou
de triste durante o dia,dos anseios e
das realizações, dos sonhos e da realidade.
Deve gostar de ruas desertas,
de poças de chuva, de caminhos molhados,
de beira de estrada, do mato depois da chuva e
de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela,
mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar,
para não se viver debruçado no passado
em busca de memórias queridas.
Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro,
sorrindo ou chorando,
mas que nos chame de amigo.
Precisa-se de um amigo que creia em nós.
Precisa-se de um amigo para se ter
consciência de que ainda se vive.

(Vinícius de Moraes)