sábado, 3 de julho de 2010

Para Viver Um Grande Amor

Para viver um grande amor, preciso é muita

concentração e muito siso, muita seriedade e

pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser

um homem de uma só mulher; pois ser de muitas,

poxa! é de colher...— não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se

cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for.

Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a

mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver

um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho

amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor.

É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado,

pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que

não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai

seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa,

indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte

culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é

preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre

a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também,

amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais,

muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o

grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo;

depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas,

molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de

melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e

gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até

ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um

cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois

qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser

bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar

dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser

impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se

souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

(Vinicius de Moraes)